Desafios para 2018

Os Desafios para 2018
Por Luciana Pellegrino
Diretora Executiva da ABRE – Associação Brasileira de Embalagem

Olhamos para 2018 com expectativas positivas, computando fortes indícios de um processo de recuperação efetiva, ainda que gradativa, da economia brasileira. Esperamos adentrar o ano recuperando os dias difíceis, crescendo na casa de 2% ao mês. A engrenagem precisa girar. Somos o quinto país mais populoso do mundo, figuramos na lista de apenas seis integrantes dos países com mais de 200 milhões de habitantes, e esse é um dos motivos que torna o nosso país tão atrativo aos olhos externos, somado à vasta e produtiva extensão territorial, abundancia de recursos naturais e biodiversidade, entre outros atrativos.

Mas ao mesmo tempo é um país que apresenta muitos desafios, principalmente quando se fala de questões politicas, regulatórias ou mesmo de infraestrutura. A engrenagem precisa girar a partir destes pressupostos. Num cenário imprevisível nasce a oportunidade de sermos altamente flexíveis e criativos. A adversidade nos impõe um constante estado de alerta e de ação, e na indústria de embalagens e de bens de consumo não tem sido diferente.

Seja em mercados estáveis ou em mercados mais conturbados, as oportunidades não necessariamente saltarão aos nossos olhos. É preciso entender as mensagens entrelinhas, olhar a fundo o consumidor e a evolução de seu comportamento, olhar como outras influencias impactam nas escolhas, como por exemplo o processo de digitalização, a busca pela qualidade de vida, e em destaque, para a alimentação saudável. O olhar para a sociedade não é mais binário, ela passa agora por inúmeras variáveis, que precisam ser somadas e combinadas. Cada vez mais dependemos do todo, a partir de um olhar para cada um, para cada pessoa empoderada pelo seu próprio ser. Sim, muito mais desafiador e cheio de oportunidades.

Há 30 anos vivenciamos uma verdadeira revolução em nosso setor. Ao longo do processo de estabilização da economia brasileira, da queda da inflação para um dígito, da abertura do nosso mercado aos importados, do aumento do poderio econômico da sociedade brasileira, ascensão da classe D e E, acesso da população ao mercado internacional por meio de viagens, séries de televisão estrangeiras ou mesmo plataformas de comunicação, as demandas aumentaram e o mercado de bens de consumo se expandiu, buscando atender de forma cada vez mais precisa os anseios da sociedade, fazendo com que o nível de exigência do consumidor amadurecesse e se sofisticasse.

Exemplos que ajudam a exemplificar a qualificação do padrão de consumo do brasileiro são os nichos de mercado de alto valor agregado que mesmo ao longo destes últimos dois anos de crise econômica, cresceram, como cafés em capsulas, cervejas artesanais e queijos fatiados, para citar alguns. Produtos estes apresentados em embalagens mais sofisticadas, maior valor agregado, com alto apelo de conveniência, e que continuaram ganhando market share. Esta é uma notícia bastante positiva não somente para a indústria, mas para o país. A embalagem confere um retrato bastante preciso do nível de desenvolvimento econômico de uma nação e se qualifica de acordo com o empoderamento de uma sociedade.

Outro termómetro do desenvolvimento social e econômico é o varejo, e aqui no Brasil podemos ver esta trajetória também de maneira muito precisa. Nos anos 90 quando vivenciávamos um alto nível inflacionário, contávamos, além de pequenas mercearias, com grandes hipermercados, um pouco afastados dos centros urbanos, que ofereciam produtos principalmente caracterizados como custo-benefício, ou seja, volume, pouco valor agregado e conveniência, com o objetivo maior de abastecimento para o mês corrente. A partir da estabilidade da inflação, a “compra do mês” perdeu o seu propósito para uma grande parcela da população, e surgiram os supermercados de bairro, atendendo a compras mais corriqueiras, produtos de maior conveniência no preparo, uso, aplicação e mesmo transporte.

Os supermercados menores, com entregas mais precisas e assertivas para atender ao seu publico alvo, demandaram da indústria, possibilitando a entrega de soluções mais variadas, oferecendo diferentes alternativas para o consumo de um mesmo produto, com maior funcionalidade e valor agregado. Trouxe também desafios, uma vez que o varejo tão próximo e acessível ao dia a dia das pessoas, passou a ser cobrado por estas por produtos mais frescos, frutas e verduras em abundância, desde in natura como também cortadas, porcionadas e lavadas. Indo mais além, surgiram os minimercados, as lojas especializadas, o e-commerce, fortaleceram-se as lojas de conveniência ofertando produtos para consumo em movimento, e muito atrelado ao panorama econômico, os formatos de lojas cash & carry. O movimento do varejo é contínuo e preciso ao momento da sociedade.

O e-commerce, uma grande tendência mundial que se fortalece a cada dia no Brasil, demanda por um lado produtos de bens de consumo que passam a ter uma apresentação muito objetiva quando vistas a partir de uma tela de computador, deixando claro os diferenciais do produto. Por outro lado, passou a exigir uma maior inteligência nas embalagens de transporte e de distribuição, garantindo tanto a eficiência do processo logístico, a manutenção das propriedades e apresentação dos produtos, como o desafio de criarem um laço fortalecendo a experiência e a relação com o canal e com a marca. Estamos longe de atender em plenitude este canal, o que nos abre inúmeras possibilidades ainda não exploradas.

Ao mesmo tempo, multiplicaram-se as lojas especializadas em nichos de mercado, com um maior sortimento de produtos com um foco específico, abrindo as portas para categorias até então pouco explorados, como por exemplo, as lojas focadas em produtos naturais, saudáveis e nutricionais. Comparando esta categoria há dez anos e hoje em dia, víamos produtos que até então eram acondicionados em estruturas muito simples, sem funcionalidade de abertura e fechamento, impressões com baixa resolução e poucas opções, que a partir do novo mote da sociedade em buscar qualidade de vida, transformou-se como uma categoria de diferenciação e de valor agregado, percebendo-se este caráter também em suas embalagens cada vez mais funcionais.

Ao olharmos este cenário podemos ir além das embalagens para entender as transformações do mercado e as oportunidades que se abrem. Se prestarmos atenção nas marcas, vemos uma multiplicação de fornecedores que se aproximam do consumidor, consolidando um importante movimento de nossa sociedade: do crescimento e fortalecimento de novas iniciativas empresariais por meio de startups, empresas regionais e de pequeno porte, que ao olharem especificamente para este nicho encontraram uma grande oportunidade de trazer novos produtos para o consumidor. Estas pequenas empresas se diferenciam muitas vezes por explorar da melhor forma produtos oriundos de uma região específica do país, trabalhando o apelo do feito em casa, diferenciando-o pelo seu valor nutricional e de saudabilidade.

Estamos preparados para atender a este exército de pequenas empresas? O desafio dos mercados de nicho, com baixo volume de produção – quando comparados aos mercados tradicionais – não podem mais ser ignorados pela nossa indústria. Mesmo por que hoje estes pequenos, apesar de seu relevante papel em nossa sociedade, precisam agregar valor por meio da embalagem para se apresentarem aos consumidores cada vez mais exigentes.

Como podemos disponibilizar alternativas de embalagens que atendam a estas novas dinâmicas? O nosso desafio migra do olhar para estruturas, para sistemas. Sim, a visão sistêmica se torna cada vez mais relevante, tanto no seu olhar para o mercado, como no olhar para nós mesmos, cadeia produtiva.

O papel de cada elo desta cadeia, desde o fabricante de máquinas e equipamentos, fornecedores de matérias-primas, de insumos e acessórios, agências de design e fabricantes de embalagens, é de olhar cada vez mais para o todo, e todos juntos para as empresas clientes e seus clientes, os consumidores.

É importante que a inteligência estratégica sobre o papel fundamental da embalagem na nossa sociedade seja de domínio do nosso próprio setor. Mundialmente a sociedade começa a se guiar pela inteligência da informação, o processamento de dados, do big-data. Como nós internalizaremos este processo e tiraremos vantagem competitiva?

Em pesquisa recente realizada pela ABRE, denominada Observatório de Embalagens, os consumidores mostraram necessidades latentes que ainda não são atendidas por fornecedores de alimentos, bebidas e produtos de cuidados pessoais. É fato, as pessoas nem sempre estão sendo ouvidas, então por que não a cadeia atuar de forma mais protagonista e elucidar as soluções demandadas, como por exemplo, maior funcionalidade nas embalagens, em especial do processo de abertura e fechamento, de leitura dos rótulos, e de portabilidade?

O Observatório de Embalagens mostrou como as pessoas interagem de forma consciente com as embalagens em seu dia a dia, e como a sua apresentação impacta tanto nas escolhas como na experiência de consumo e construção de valor das marcas. Como podemos ir além?

O crescimento substancial de uma sociedade não pode estar calcado em um único segmento de consumo. É preciso olhar transversalmente e analisar os hábitos, acessos e desenvolvimento em outras categorias de consumo além da de alimentos, onde encontramos exemplos substanciais do crescimento e desenvolvimento dos mercados.

Por citar alguns, a sofisticação do mercado de dermocosméticos, de bebidas, alcoólicas e não alcóolicas, a transformação ainda em curso do segmento de limpeza doméstica pelas mudanças da legislação trabalhista, o segmento de cosméticos para públicos específicos como o infantil, o olhar mais cuidadoso da indústria farmacêutica e de cuidados pessoais para o publico da terceira e quarta idades. A gama e oferta de produtos cresceu nestas décadas, e as embalagens se diversificaram, mesmo em categorias altamente tradicionais. Sem entrar na particularidade das novas estruturas de embalagens rompendo paradigmas das categorias, mostrando que o status-quo de nenhum mercado é perene, todos podem sofrer disrupção.

A inovação neste sentido tem como pano de fundo simplificar a vida do consumidor pela praticidade no consumo, maior portabilidade, facilidade no preparo, e do ponto de vista da marca um posicionamento diferenciado que a destaque no mercado, ou que a coloque numa ocasião diferenciada de consumo. E é no olhar cauteloso a estas necessidades que as marcas poderão trazer novas propostas e ganhar espaço.

A cada ano, numa nova edição do Prêmio ABRE da Embalagem Brasileira, temos um retrato do que foi apresentado aquele ano, quais tecnologias encontraram seu lugar e viabilidade no mercado, quais os claims em produtos e embalagens que se destacaram como sendo os mais relevantes para os consumidores naquele momento.

A inovação pode ser uma combinação de novas tecnologias disponíveis com um olhar preciso para as dinâmicas da sociedade, buscando entender as suas necessidades nem sempre expostas. Em 2018 fortalecerá a necessidade de nos aproximarmos das novas tecnologias que agregarão inteligência e eficiência dos setores produtivos. Ainda estamos engatinhando na inclusão do nosso setor na quarta revolução industrial, assim como muitos países do mundo estão, mas cada vez mais temos que buscar esta aproximação com foco em melhor monitoramento dos processos, velocidade de informação e reação, busca por flexibilidade e maior automação.

O mercado em 2018 tende a se reaquecer e abrir novas janelas de oportunidades para os diferentes setores produtivos. Além do calendário tradicional repleto de datas festivas e comemorativas, será um ano de copa do mundo, de eleições presidenciais no Brasil, eventos estes que aceleram de alguma forma a nossa economia enquanto acontecem.

Mas para onde vamos? Quais são os próximos passos deste processo evolutivo? Ao mesmo tempo que vamos inovar olhando para a sociedade, a inovação precisa estar atrelada a um propósito maior. Não podemos mais olhar setorialmente mas sim transversalmente, por exemplo, como a embalagem pode tornar a nossa sociedade mais sustentável. Como a embalagem deve trabalhar como uma ferramenta para agregar eficiência às diferentes cadeias de abastecimento?

A evolução da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas não foi somente no âmbito econômico, foi também nas esferas cultural e social, fortalecendo a consciência de que fazemos parte de um todo, de um ecossistema maior e que precisa ser cuidado.

Este olhar veio de forma bastante incisiva para a indústria de embalagens e de bens de consumo. É interessante observar que a embalagem e o produto são vistos pelo consumidor de forma indissociável. A relação produto consumo são materializados por meio da embalagem durante o seu uso. Mas no momento em que o produto termina, a embalagem perde o seu valor intrínseco, e passa a ser um resíduo que necessita fechar o seu ciclo por meio de um processo de revalorização e resgate de suas matérias-primas. Essa demanda tem levado a nossa sociedade a questionar o modelo linear de produção, consumo e descarte que operamos, para tentar criar um novo modelo circular, onde nada se perde, tudo se transforma.

Trata-se de um modelo que acredita na eficiência sistêmica pelo maior e melhor uso dos recursos naturais, mantendo-os em uso por mais tempo. A partir deste olhar migramos de uma sociedade que cresceu nos últimos anos calcada no descartável, e que agora tenta se reinventar cultivando o durável, onde o maior desafio deixa de ser o produto em si, mas os sistemas que dão suporte a ele.

O grande desafio para 2018 é que por vivermos em tempos líquidos, não podemos mais olhar somente para o ano, e sim vê-lo como uma ponte para o futuro. O que faremos ao longo do ano para nos prepararmos para 2019, 2020, e assim por diante? O que faremos para manter a nossa relevância na sociedade, e como podemos assumir um papel protagonista para ajudarmos a construir um futuro melhor para todos? A velocidade imposta pelas novas plataformas tecnológicas exige de cada empresa a divisão de seus esforços entre a manutenção de seus negócios e a construção de seu futuro.

Nós vivemos entre o mundo digital e analógico e, mais do que nunca, 2018 será o ano em que teremos que começar a construir a ponte entre estes dois universos.

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